O período de safra da cana-de-açúcar na década de 90, em Xexéu, município pernambucano, era sempre penoso para o cortador de cana Rogério Cristóvão da Silva e seus 14 irmãos. Apesar de tirarem o sustento da família nas lavouras, as lembranças da época não eram as melhores. Um facão afiado era a principal ferramenta de trabalho deles, que, sob o sol quente e em meio a poeira e bichos peçonhentos, desferiam mais de 10 mil golpes por dia contra a planta que seria moída para virar açúcar ou álcool.
Na época em que trabalhou na lavoura, desde os 5 até os 18 anos, essa era a única serventia do facão para Rogério. O cortador de cana coleciona marcas de ferimentos causados por um erro de cálculo no manuseio do objeto. Mal sabia ele que, alguns anos depois, a lâmina teria uma serventia bem menos braçal.
Hoje, aos 30 anos, Silva, a esposa e uma filha do casal moram em uma casa própria em Maceió, comprada com o dinheiro arrecadado com a nova profissão: sushiman. Sua história de vida, diz ele, é contada para poucos. E foi em uma dessas conversas informais, entre a preparação de um temaki e uma barca de sashimis, que Silva afirmou à reportagem que não foi nada fácil o caminho percorrido da lavoura até sua contratação como chef de um restaurante na cidade de Maceió de comida japonesa em um shopping da capital alagoana.
“Meu pai era muito ignorante. Quando eu tinha cinco anos ele já me levou para cortar cana. A gente passava o dia na lavoura. Em média, a gente cortava umas sete toneladas de cana por dia. Isso rendia R$ 30,00. Quando a gente chegava em casa era só o tempo de comer e cair na cama, a exaustão e o sofrimento eram grandes. Cheguei a chorar várias vezes no meio das canas”, relembra.
Rogério afirma que, desde jovem, sabia que essa não era a vida que queria para ele. Chegou a se mudar para Mato Grosso do Sulaos 18 anos para tentar ganhar dinheiro em uma colheita de cana, mas ele descreve o período como o pior da sua vida. “O clima era péssimo, seco, muito mais calor do que no Estado de Pernambuco. Não me adaptei à comida, passava mal e depois de sete meses acabei voltando para Xexéu”, relembra.
Uma chance para o futuro
Um convite de um amigo para passar uns dias conhecendo a capital alagoana foi o começo de toda a mudança na vida do ex-cortador de cana. Maravilhado com as belezas naturais da cidade, Rogério decidiu ficar de vez em Maceió, casou e começou a trabalhar como ajudante de pedreiro.
“Eu fazia todo serviço que aparecia. Vivi algum tempo de favor na casa do meu amigo e depois consegui alugar um quartinho. Em um dos serviços, me chamaram para ajudar na construção de um restaurante de comida japonesa. Foi a primeira vez que ouvi e vi esse tipo de comida. Não gostava, mas hoje acho gostosa”, diverte-se ao lembrar da dificuldade em se acostumar com o sabor da culinária japonesa.
Apesar do jeito brejeiro, como ele mesmo se intitula, Silva conseguia conquistar os chefes pelo carisma e iniciativa no trabalho. Quando o restaurante inaugurou, pedi para acompanhar a cozinha. Comecei lavando os pratos, depois descascando os legumes, em seguida já estava fazendo a preparação dos alimentos para o sushiman. Eu queria aprender tudo, não negava serviço porque esperava ter uma chance”, destaca.
De ajudante de sushiman para comandar a cozinha foi um pulo. Em um dia de necessidade, o ex-cortador de cana começou a preparar os pratos e seu salário foi acompanhando a promoção profissional. Ele conta que não fez curso algum. “Aprendia olhando e muitos sushimans me ajudaram dando dicas”.
Entre idas e vindas em restaurantes, hoje, Silva é o sushiman de um restaurante em um shopping de Maceió. Continua tendo intimidade com o facão, mas agora cortando filetes de salmão, atum e outros tipos de peixe. A clientela aprova as habilidades dele na culinária oriental. “Tudo que ele faz é delicioso e o diferencial é o atendimento, sou muito bem tratada aqui”, afirma a funcionária pública Suzy Melo.
Empreendedorismo
Há quase 10 anos no mercado, Rogério já começa a alçar voos solos. Mesmo tendo recebido propostas de outros restaurantes japoneses, Rogério é fiel ao chefe, mas complementa sua renda com encomendas em festas particulares.
“As pessoas que conhecem meu trabalho me contratam para jantares, aniversários e festas. Eu aprendi a calcular a mão de obra e material, preço dos peixes, tudo sou eu que levo para a casa do cliente. Meu chefe até me apoia, porque, indiretamente, eu acabo divulgando o restaurante também”, contou.
No réveillon deste ano, Silva foi contratado com outros cinco sushimans para produzir mais de 60 mil peças de sushi para uma festa particular da cidade. “Foi cansativo, mas, com o dinheiro extra, comprei uma moto e estou investindo nos estudos da minha filha, disse.
Entre peças de sushi com nomes como uramaki, temaki, sunomono entre outras, a surpresa foi quando rogério revelou que é analfabeto. “Eu decorei o cardápio, pode perguntar qualquer coisa daí que eu sei o que é, mas fora do cardápio aí já complica”, disse o sushiman que destacou ainda a vontade de ter um negócio próprio.
Procurado pela reportagem, o gerente de atendimento do Sebrae, Marcos Alencar, foi informado sobre a situação e afirmou que a determinação e visão empreendedora do agora sushiman são louváveis, mas que não pode parar aí. “É fundamental que ele se alfabetize, pois como ele vai assinar contratos sem saber ler? É importante também que ele tenha cursos sobre como gerir seus negócios e que ele se capacite, ainda mais em uma culinária onde os consumidores são mais exigentes. Depois ele deve formalizar-se como microempresário”, aconselha Alencar.
Rogério Cristóvão da Silva, o ex-cortador de cana que hoje sustenta a família com o que ganha trabalhando com a culinária japonesa, brinca que não é preciso ser apressado “para comer cru”. Ele garante que paciência e determinação são algumas de suas virtudes e afirma que o início dos estudos é prioridade na sua vida a partir de agora. “Preciso manter meu negócio e dar um bom exemplo para minha filha”, diz.
Fonte: G1